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O cotidiano de Henriqueta nas ruas do Rio de Janeiro nos anos de 1850

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Um Story Map por

Sandra Lauderdale Graham

e Alida Christine Metcalf

Tradução de Ludmila de Souza Maia


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Karl Albert Planitz, Vista da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro tirada da Ilha das Cobras, 1840. Brasiliana Iconográfica.

Imagine o Rio de Janeiro, uma cidade fundada numa uma baía nas décadas de 1830 e 1850 - a parte velha da cidade com suas ruas estreitas e cheias, suas igrejas paroquiais e seus chafarizes - transformados em lugares de ajuntamento de pobres que se encontravam aos gritos e gargalhadas.


Uma africana forçadamente retirada de seu continente pela violência do tráfico de escravo e transportada através do Atlântico até a Bahia, Henriqueta foi, ainda embarcada ao sul, onde, no Rio de Janeiro, Rosa Maria de Jesus a comprou e a colocou para trabalhar nas ruas, permitindo-a alugar seus próprios serviços como escrava ao ganho.

A viagem de Henriqueta da África para Brasil.

Por volta de 1853, Henriqueta tinha poupado uma quantia suficiente de seus ganhos,  além do dinheiro semanal que tinha que pagar a sua proprietária, para comprar sua liberdade. Dois anos depois, ela se casou com Rufino Maria Baleta, um africano, também liberto e que vivia como peixeiro. Seu casamento rapidamente se deteriorou em uma relação violenta e abusiva por parte de Rufino e terminou em divórcio em 1857, quando a Igreja deu a Henriqueta uma separação eclesiástica definitiva.


O dia de Henriqueta começava cedo. Como escrava que era, vivia descalça e passou a usar sandálias apenas quando se tornou liberta. Ela caminhava do lugar que vivia, no número 133 da rua do Fogo, até o Mercado Municipal no cais ao lado norte do Largo do Paço. Sua reputação como mulher que sempre pagava suas dívidas a permitia comprar fiado dos vendedores do mercado que se tornaram seus fornecedores. Ali ela fazia sua primeira parada.


 Seu cesto agora estava pesado com a quitanda que ela esperava vender, e, com ele, se deslocava para seus lugares favoritos de vendas onde seus clientes sabiam que a encontrariam. As fontes históricas não dizem precisamente quais ruas ela usava, mas é provável que andasse pela rua Direita em direção ao Rosário, vendendo enquanto continuava até o pátio da igreja do Rosário.


A competição era acirrada. Só na sua vizinhança contava-se até 60 vendedores ambulantes, e, na sua rua, ela dividia as vendas com pelo menos outras duas pessoas. Mais da metade dos ambulantes eram negros e 16 dos 27 africanos eram mulheres.


Antes da época de Henriqueta, quando o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, o então vice-rei Marquês do Lavradio tinha estabelecido o primeiro depósito de escravos na praia do Valongo para remover da vista dos transeuntes os escravos, que, com frequência, estavam nus, vivendo e sendo vendidos nas ruas. Esse depósito humano ao longo da baía encorajou outros mercadores a construir seus armazéns também no Valongo.


Por volta de 1808, as questões de higiene tinham provocado o fechamento definitivo dos depósitos de cativos, deixando a cargo dos comerciantes de escravos as obrigações com alojamento, vestuário e alimentação daqueles indivíduos que compravam e vendiam. O que tinha ocorrido em virtude da preocupação com a ordem pública e a higiene se tornou, pela lei de 1831, uma responsabilidade particular dos traficantes de escravos.


No início da década de 1850, quando Henriqueta estava fazendo economia para comprar sua liberdade, o comércio Atlântico de escravos havia se encerrado e o Valongo comercializava mercadorias comuns. Contudo, o tráfico de cativos dentro do Brasil florescia. Da década de 1850 aos anos 1880, dezenas de comerciantes compravam, vendiam e alugavam escravos em lojas espalhadas ao longo de toda a parte velha da cidade, lugares por onde Henriqueta passava todos os dias.




Henriqueta também anunciava suas mercadorias na rua Direita, uma rua larga e comercial, que se estendia do norte do morro do Castelo até o morro de São Bento, tornando-a a maior artéria na circulação de pessoas e mercadorias. A rua Direita era paralela e a leste da rua do Fogo, onde Henriqueta vivia, passava pelo cais, pela Alfândega, e era o caminho dos pescadores que pescavam na baía e vendiam seus produtos num mercado próximo. A rua do Fogo, com sentido de norte a sul, começava no morro da Conceição e terminava há uma curta distância do morro do Santo Antônio perto da Igreja do Rosário. Entre as duas ruas, se encontrava a rua da Quitanda, nomeada pela abundância de vendedores ambulantes que comercializavam botões, linhas e pedaços de tecidos, mas que ficava fora da zona de vendas de Henriqueta.



O Rio de Janeiro ocupa uma península entalhada que se estende a leste em direção à parte mais larga da baía da Guanabara. Ao norte das colinas da cidade, despontam as montanhas e, ao sul, as estreitas faixas de terra se alongam em direção ao mar aberto do Atlântico. A oeste, correm dos altos despenhadeiros de granito a água doce que alimenta os córregos e que antigamente abastecia os residentes da cidade. Mas a esplendorosa cidade circundada pela baía tem também suas imperfeições. Construída sobre um manguezal pantanoso, a perfuração de poços privados era impossível, deixando a cidade e sua crescente população sem uma fonte sustentável de água doce.


E. de la Michellerie, A Capital do Brasil, 1831, Library of Congress; georeferenciado em imagineRio, 1831.

O abastecimento da água doce se tornou a maior preocupação dos governantes da cidade assim como de quase todos seus habitantes. Finalmente, no século XVIII, a água do rio Carioca foi canalizada por uma longa distância através de um terreno íngreme e montanhoso e levada em um aqueduto elevadíssimo até a fonte do Largo da Carioca. De lá, por meio de tubulações subterrâneas, a água era distribuída pelas fontes da cidade.

C. Linde, "Aqueduto e Convento de Santa Teres," 1860. Brasiliana Iconográfica.
A. Metcalf, The Carioca Aqueduct in 1763. Created in ArcGIS from data in imagineRio, 1763.



Os espaços também adquiriam significados pessoais e privados. A Igreja paroquial de Santa Rita ao pé do Morro da Conceição tinha um significado especial para Henriqueta, alem de ser um lugar cheio de pessoas, barulhento e acolhedor para aqueles que faziam suas vidas nas ruas. Ela e Rufino se casaram nessa Igreja, logo depois de Henriqueta ter comprado sua liberdade e então, segundo ela, ter comprado a liberdade de Rufino, informação refutada por ele. Ela se recusava a casar-se antes de se tornar liberta. Agora, a cada vez que passava pela igreja, ela podia se lembrar de seu casamento e da carruagem que havia contratado para deixar e buscá-los na Igreja e também como sua união com Rufino tinha se tornado amarga.





Os significados dos espaços mudavam de acordo com a hora do dia. Comportamentos que eram apropriados para o período da manhã podiam não ser tolerados à tarde ou ser aceitáveis no cair do dia, mas jamais à noite.

De tarde as ruas deveriam estar vazias de vendedores. Seus residentes se retiravam para os interiores, em cômodos fechados por venezianas e mais frescos. No fim da tarde, mas jamais à noite, mulheres de boas famílias (como elas mesmas se viam) se deliciavam com doces e tomavam chás em uma das casas de chá da moda ou caminhavam no Passeio Público, sombreado por galhos de árvores e acompanhadas pela presença protetora de uma mucama.

Quando o dia se apagava e as lâmpadas a gás nos postes se ascendiam, uma luz embotada varria a escuridão e o comportamento social ficava ainda mais restrita.

Bertichem, "Passeio Publico" in O Brasil Pitoresco e Monumental: O Rio de Janeiro e seus arrabaldes, 1856. Brasiliana Iconográfica.

 A clientela das casas de chá tornava-se mais extravagante. Jovens homens elegantemente vestidos surgiam em companhia de jovens mulheres de reputação duvidosa. Esse ambiente deixava de ser um lugar acolhedor para mulheres que se viam como sendo de boa família. Durante o dia, transeuntes raramente notavam um comerciante que carregasse suas ferramentas de trabalho em uma cinta larga de couro, mas com o cair da noite e o som da "Ave Maria" do mosteiro de São Bento, eles veriam aquelas mesmas ferramentas como armas potencialmente perigosas e elas se tornavam, subitamente, proibidas à noite. Um escravo nas ruas depois das 10 horas da noite só era permitido se carregasse uma declaração com a permissão do dono e apenas se estivesse à serviço do mesmo.

V. Frond, "Panorama de Rio de Janeiro" 1861. Brasiliana Iconográfica. O mosteiro de São Bento - em branco - se vê proeminente. 

O mundo noturno de Henriqueta também mudava, tornando-se de uma só vez mais expressivo, mais restrito e mais secreto. Para onde ela ia? E se ela ignorasse o toque de recolher e voltasse para casa depois das 10 horas da noite? 

Rufino se preocupava que sua bela esposa caísse na prostituição. Ao menos era assim que ele justificava sua violência contra sua consorte - para evitar sua queda no vício. Alegando violência extrema, Henriqueta peticionou para a corte eclesiástica e conquistou a separação, a qual permitiu, por sua vez, a divisão da propriedade do casal na corte civil - algo de certo sem significado uma vez que eles não tinham posses. Mas também acabou por liberá-la de futuras responsabilidades com as dívidas do marido, o que sob a lei de propriedade comunal a transformava em fiadora responsável pelos gastos dele. Uma vez separados, o que ela ganhava lhe pertenceria e qualquer dívida dele seria apenas problema dele. Daí em diante, ela prosperou e então, novamente foi capaz de juntar dinheiro. Por volta de 1861, ela tinha licenças registradas para o uso de duas barracas de mercados permanentes no Largo do Rosário.


Acompanha Henriqueta em imagineRio, abaixo.

Postscript

O Story Map

Sandra Lauderdale Graham escreveu o texto "O cotidiano de Henriqueta nas ruas do Rio de Janeiro" e sua tradução para o português foi feita por Ludmila de Souza Maia. Alida Christine Metcalf criou o Story Map usando o "Cascade template" do ESRI. Com poucas exceções, as imagens são das ricas coleções da Biblioteca Nacional Digital Brasil, Brasiliana Iconográfica e Brasiliana Fotográfica. As imagens em aquarela da coleção Eduard Hildebrant do museu Staatliche de Berlim aparecem aqui com permissão assim como a aquarela da coleção Augustes Earle da Biblioteca Nacional da Austrália.

Story Maps é parte do projeto imagineRio da Rice University. Ao oferecer um mapa temporal preciso do Rio de Janeiro desde o século XVI até o presente, imagineRio permite ao visitante ver a vida no Rio de Janeiro como aconteceu e como foi imaginada. Os mapas históricos do imagineRio, os planos urbanos, e imagens são georreferenciadas e geolocalizadas, permitindo o exame sem precedentes dos espaços da cidade ao longo do tempo.

Direitos autorais: todos os direitos autorais do texto "O cotidiano de Henriqueta nas ruas do Rio de Janeiro" pertencem a Sandra Lauderdale Graham e não podem ser reproduzidos sem sua permissão. Todos os direitos dos mapas criados para esse Story Map pertencem a Alida C. Metcalf e não podem ser reproduzidos sem sua permissão. O usuário deve procurar por mais informações sobre os direitos das imagens nos arquivos e bibliotecas que as possuem.

FONTES

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